Resumo e adaptação realizados por Silvana Baccin, com base no livro “Ontologia da Linguagem” de Rafael Echeverría.

 “Não sabemos como as coisas são. Só sabemos como as observamos. Vivemos em mundos interpretativos.”

Rafael Echeverría

Nossa linguagem pode ser interpretada como um sistema de comunicação que permite aos seres humanos o compartilhamento de sentidos. Num conceito geral, a palavra “linguagem” refere-se a uma faculdade cognitiva que permite aos seres humanos aprender e usar sistemas de comunicação complexos[i].

A linguagem descreve o estado das coisas, desta forma, supõem que a realidade existe muito antes da linguagem, e o que a linguagem faz é simplesmente descrevê-la, portanto com papel passivo. Primeiro vem a realidade, depois a linguagem. Essa é uma interpretação muito antiga da linguagem, cuja origem remonta aos antigos gregos.

Um novo ramo da filosofia questionou essa interpretação na segunda metade do século XX, a partir das contribuições do filosofo austríaco Ludwig Wittgenstein, chamada da filosofia da linguagem. Essa filosofia afirma que quando falamos, não somente descrevemos uma realidade existente, mas também atuamos. Quando dizemos a alguém “Te felicito”, não estamos “descrevendo” uma felicitação, estamos realmente fazendo-a, agindo.

O filósofo britânico J. L. Austin foi o primeiro a destacar essa qualidade ativa da linguagem, sua natureza executante. Se me dou conta de que quando descrevo, estou “fazendo” uma descrição, portanto, estou atuando.

Outro avanço importante trouxe o filósofo John R. Searle, a taxionomia dos atos de falar. Segundo Searle, quando falamos, executamos um número restrito e específico de ações, chamadas “atos da fala”, ou segundo a ontologia da linguagem, “atos linguísticos”, pois esses atos podem ser executados de forma não verbal.

Graças a essas e outras contribuições, uma interpretação geradora e ativa da linguagem tem progressivamente substituído a velha interpretação passiva da linguagem, que a restringia a seu caráter descritivo.

Todos os seres humanos, independente do idioma que falam, ao falar fazem afirmações, declarações, pedidos, etc. Ou seja, utilizam os atos linguísticos que detalharemos a seguir.

Afirmações e declarações

Ao observarmos o falar como ação, estabelecemos um vínculo entre a palavra e o mundo. Às vezes, ao falar, a palavra deve adequar-se ao mundo e, em outras, o mundo se adequa à palavra. Quando a palavra se adequa ao mundo, descreve o mundo, ou seja, o mundo conduz a palavra, falaremos de afirmações. E quando a palavra modifica o mundo e, portanto, o mundo se adapta ao dito, falaremos de declarações.

a)        Afirmações

Normalmente chamamos de descrições, proposições sobre nossas observações. Com o devido cuidado de não assumirmos que as afirmações descrevem as coisas como são, já que nunca sabemos como as coisas de fato são, sabemos como as observamos, dado o observador distinto que cada um de nós é, como vimos no texto de apoio I. Os seres humanos compartilham, por um lado, uma estrutura biológica comum, ex: a capacidade de ouvir, enxergar, falar, etc. E, por outro, a tradição das distinções de sua comunidade, que lhes possibilita compartilhar o que observam.

Quando nossa estrutura biológica é diferente, ao exemplo dos daltônicos ou deficientes visuais, não podemos fazer as mesmas observações. Não podemos afirmar quem percebe melhor a realidade, as distinções de cada ser falam de suas capacidades de reação perante o meio externo. Não falam da realidade externa por si mesma.

Como já vimos, os seres humanos observam segundo as distinções que possuem. Vocês sabiam que os esquimós podem observar mais tonalidades de branco que os demais seres humanos? Ou os deficientes visuais desenvolverem melhor outros sentidos como a audição ou o tato. Com relação a essas capacidades, a diferença entre nós não é “biológica”. Nossas tradições de distinções são diferentes. Então, a pergunta “quantos tons de branco existem?” só tem sentido no contexto de uma determinada tradição de distinções, para as pessoas que compartilham o mesmo conjunto de distinções. Deste ponto de vista, é válido dizer que vivemos em um mundo linguístico, as afirmações são feitas sempre dentro de um espaço de distinções estabelecido.

Como seres humanos, podemos compartilhar o que observamos, então supomos que esta é a forma como as coisas “são realmente”. Mas só podemos concluir que compartilhamos as mesmas observações, que observamos o mesmo. Nada mais. A única descrição que podemos fazer é de nossa observação, não a descrição da realidade.

Com base nesta capacidade comum de observação, os seres humanos podem distinguir entre afirmações verdadeiras ou falsas. É necessário alertar que a distinção entre o verdadeiro e o falso somente possui sentido dentro de um espaço de distinções comuns, com base em condições sociais e históricas determinadas. Não se refere à “Verdade”, é uma convenção social que torna possível a convivência em comunidade.

Uma afirmação falsa é uma proposição sujeita à confirmação, pois qualquer testemunha que lá esteve poderá refutar o que foi dito. Contudo, nem todas as afirmações poderão ser classificadas em falsas ou verdadeiras, algumas vezes não podem ser confirmadas por não existirem as condições necessárias para sua corroboração. Ex: em regra geral, as afirmações sobre o futuro e o passado tem a qualidade de serem indecisas, pois nem sempre podem ser comprovadas.

Cada vez que executamos um ato linguístico, adquirimos um compromisso e devemos aceitar a responsabilidade social pelo que dissemos. O falar nunca é um ato inocente. No caso das afirmações, o compromisso social guarda relação com a necessidade de estabelecer de maneira efetiva que a palavra cumpra com a exigência de adequar-se às observações que fazemos sobre o estado do mundo.

Portanto, quando afirmamos algo, nos comprometemos com a veracidade de nossas afirmações perante a comunidade que nos escuta. E isso está diretamente relacionado com a imagem que criamos, a partir das afirmações verdadeiras ou falsas que fazemos, se somos vistos como coerentes ou não, no espaço de distinções estabelecido por essa mesma comunidade.

Portanto, quando fazemos afirmações falamos do estado de nosso mundo e, portanto, de um mundo já existente, o mundo dos feitos, do que já foi realizado.

b) Declarações

Agora, quando fazemos declarações, não falamos sobre o mundo, geramos um novo mundo para todos. A palavra gera uma realidade distinta, nova.

Depois de termos dito o que dissemos o mundo já não é mais o mesmo de antes. Ele foi transformado pelo poder da palavra! Para exemplificar, reflitam sobre quanto o mundo mudou a partir de declarações poderosas como as Declarações de Independência, de Abolição da Escravatura, etc.

E o seu mundo particular, quantas vezes mudou depois que você foi capaz de declarar um “basta” para situações que não lhe faziam feliz? Ou quantas vezes você restringiu o seu mundo a partir de declarações como “não sou suficientemente bom para…” ou “não sou merecedor de…”, dentre outras?

As declarações não estão relacionadas com nossa capacidade comum de observação, como ocorre com as afirmações, estão relacionadas com o nosso poder. Só geramos um mundo diferente por meio de nossas declarações quando temos a capacidade de fazê-las serem cumpridas. Essa capacidade pode vir da força ou da autoridade outorgada, pois ambas são expressões de poder.

As declarações não são verdadeiras ou falsas como as afirmações, elas são válidas ou inválidas, dependendo da pessoa que as utiliza, de seu poder de fazê-las serem cumpridas.

Quando fazemos uma declaração também nos comprometemos com a validade dela. Isso significa que sustentamos possuir autoridade para tal, geralmente limitada às normas sociais específicas. Ou seja, um chefe poderá fazer declarações válidas dentro de seu escopo de poder, cada indivíduo pode fazer declarações válidas dentro de seu poder de influência pessoal.

Quando declaramos algo, nos comprometemos a nos comportarmos consistentemente com a nova realidade que temos declarado.

Permitam-me um último ponto de reflexão, como vocês tem se comportado com relação às declarações que fazem às suas famílias, amigos, colegas de trabalho, colaboradores, etc.?

Lembrem-se: A ação de fazer uma declaração gera uma nova realidade, nesses casos, a palavra transforma o mundo. Que mundo vocês estão criando a partir de suas declarações?…

Espero ter colaborado com mais um espaço de reflexão e de aprendizagem. No próximo texto conversaremos sobre alguns tipos particulares de declaração e seu poder de influência sobre nossas vidas. Estejam em paz!

Silvana Baccin é profissional com experiência em gestão empresarial, com habilidades em gestão de pessoas e resultados, comunicação e formação de equipes de alto desempenho. Também possui experiência em estratégias de mercado e segmentação de clientes, Gestão de Processos e Projetos. Atua na capacitação de adultos – graduação, pós-graduação e formação de gerentes, como coaching e consultora de empresas.


[i] Fonte Wikipédia

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