A Dança do Falar e do Escutar
Resumo e adaptação realizado por Silvana Baccin, com base no livro “Ontologia da Linguagem” de Rafael Echeverría.
“Não sabemos como as coisas são. Só sabemos como as observamos. Vivemos em mundos interpretativos.”
Rafael Echeveria
O Escutar
A comunicação humana tem duas facetas que pensamos conhecer bem: o “falar” e o “escutar”. Normalmente, admiramos as pessoas que sabem se comunicar bem e supomos que se alguém fala suficientemente bem, alto e claro, será efetivamente escutado. No entanto, a comunicação não efetiva é um dos principais problemas de nossas relações pessoais (e também uma das principais causas de divórcios).
Ser maravilhoso com as pessoas não se trata de falar bem, mas de escutar bem!
Escutar é um fator fundamental da linguagem. O falar efetivo só ocorre quando é seguido de um escutar efetivo. Pois o escutar é que valida o falar e confere sentido ao que se fala. Quando nos ocupamos da comunicação humana, o assunto do sentido se torna primordial, considerando a forma que as pessoas entendem o que é dito.
O que ocorre entre as interações comunicativas dos seres humanos está limitado pela própria estrutura de cada ser. Os seres humanos não possuem mecanismos biológicos que lhes permita reproduzir ou representar o que “realmente” está ocorrendo ao seu redor. Nossa experiência sensorial não reproduz o que está “lá fora”. Somente vemos as cores que nossos sistemas sensoriais captam, os sons que ouvimos são os determinados pela nossa estrutura biológica. Portanto, existe uma “brecha crítica” na comunicação, entre o falar e o escutar. Dizemos o que dizemos, e os demais escutam o que escutam! Falar e escutar são fenômenos distintos.
Damos por certo que o que escutamos é o que foi dito e supomos que o que dizemos é o que as pessoas irão escutar. Que ilusão… Quando o que se diz não é escutado da forma esperada, as pessoas completam essa “brecha crítica” com histórias e juízos pessoais sobre as outras pessoas, as empresas, as equipes, os acontecimentos, produzindo problemas mais profundos na comunicação. Escutar não é ouvir. Ouvir é um fenômeno biológico, associado à capacidade de distinguir sons em nossas interações. Escutar pertence ao domínio da linguagem, e se constitui em nossas interações sociais com outros. Quando escutamos, geramos um mundo interpretativo. O ato de escutar sempre implica compreensão e interpretação. Quando atribuímos uma interpretação a um som, passamos do fenômeno do ouvir para o do escutar.
Além disso, ainda é possível escutar sem haver sons. Quando não há nada para ouvir, podemos escutar o silêncio. Ex: quando pedimos algo, o silêncio da outra pessoa pode ser escutado como não. Também escutamos os gestos, as posturas do corpo e os movimentos na medida em que somos capazes de lhes atribuir um sentido. Normalmente pensamos que escutamos palavras, e o significado de uma palavra é sua conexão com o que ela se refere. E o significado de uma palavra se estabelece, normalmente, por meio de uma ou mais definições.
Para a ontologia, a linguagem não é só um instrumento que descreve a realidade. A linguagem é ação! Quando falamos atuamos, e quando atuamos modificamos a realidade – a linguagem gera realidade! Utilizar uma palavra é utilizar as ações das quais tal palavra se refere, de uma forma que tenha sentido. Então quando escutamos, não escutamos somente palavras, escutamos também ações.
Segundo a ontologia da linguagem, são três tipos relevantes de ações na comunicação humana:
1) atos locucionários – articular as palavras que dizemos, dizer o que dizemos. Diferentes palavras geram ações diferentes e consequências diferentes na coordenação de ações com os outros.
2) atos ilocucionários – a ação compreendida em dizer o que dizemos, nossos pedidos, ofertas, promessas, afirmações e declarações.
3) atos perlocucionários – as ações que tomam lugar porque se disse algo, que são produzidas como consequência ou efeito do que dizemos.
Portanto, escutamos o nível do que é dito e como foi dito, escutamos o nível da ação decorrente do que foi dito e escutamos o nível da ação que nosso falar produz. Ex: Se meu filho pergunta: Mamãe, você pode me dar 50 reais? Eu poderia escutar: Gastou toda sua mesada, está sem controle, preciso ficar atenta a isso…
Não foi o que se disse, mas foi o que se escutou. Dizemos o que dizemos e escutamos o que escutamos. O que escutamos não foi dito, mas isso não significa que escutamos mal. O que escutamos poderá, às vezes, ser válido e outras vezes não.
Cada vez que escutamos uma ação, normalmente nos fazemos duas perguntas básicas: Por que esta pessoa está executando esta ação? Ou, o que leva alguém a dizer o que disse? Quais são as suposições que temos quando respondemos essa pergunta?
Entendemos que atrás das ações existem as intenções. As ações aparecem como respostas a um propósito que reside em nossa consciência ou mente. O nosso racionalismo supõe que há uma intenção ou um objetivo consciente atrás de toda ação. Uma das formas que damos sentido a uma ação é descobrindo a verdadeira intenção que existe por trás. Uma ação que é coerente com sua razão ou intenção é uma ação racional.
Contudo, segundo Freud, os seres humanos atuam frequentemente sem intenções conscientes, sem um conhecimento claro do que fazem e porque fazem. A consciência que os indivíduos têm das razões de seu agir não é confiável, pois além de intenções conscientes, possuímos intenções inconscientes.
Já Nietzsche postulou que a ação e o sujeito que a executa não podem separar-se. As ações que executamos constituem o nosso “eu” e isso inclui o falar e o escutar. A flecha, o arco e o arqueiro se geram simultaneamente.
Nossas ações incluem tanto nossos atos públicos como os privados e nossas conversações públicas, quanto as privadas.
Segundo Heidegger, cada vez que atuamos podemos supor que o fazemos para executarmos algo. E essa sinalização prévia deste “algo” a executar, chamamos de inquietude. Uma ação se leva a cabo para atender a uma inquietude. A inquietude confere sentido à ação. Uma inquietude é a interpretação que damos sobre uma ação que executamos.
E o que diferencia a inquietude e a intenção? Sob o ponto de vista ontológico, não estamos dizendo que uma intenção traz uma ação, ou que são intenções que guiam nossas ações, ou mesmo que a mente está guiando nossos atos. Estamos dizendo que uma inquietude é uma interpretação que confere sentido às ações que realizamos. É um relato que fabricamos para dar sentido ao atuar.
Então nossas razões não são outra coisa do que histórias que nos construímos. Fabricamos algumas depois de realizar ações e outras antes. O que chamamos intenção não são mais do que histórias, interpretações que dão sentido a nossas ações. O lugar em que devemos buscar as inquietudes é em escutar o que as ações produzem. Quando observamos as ações das pessoas e quando as escutamos falar (e vimos que falar é uma ação!), lhes damos um sentindo construindo histórias acerca do que é aquilo que as ações realizam.
As inquietudes não estão nas ações em si, ou na mente e na consciência de quem executa, e sim em como as interpretamos. Uma inquietude é sempre um assunto de interpretação e de reintepretação. Nada é dono das inquietudes, nada tem autoridade final para encontrar a inquietude verdadeira. Cada um tem direito às suas próprias interpretações, às suas próprias histórias sobre suas ações e as ações dos outros. Termos histórias de nossas próprias ações não as tornam verdadeiras. Segundo as interpretações que sustentamos, nos abrem certas possibilidades e nos fecham outras em nossa vida.
Assim como o sentido das palavras remete às ações que realizamos com elas, o sentido das ações remete às interpretações que construímos por meio da linguagem, com o poder da palavra. Essas histórias residem no escutar as ações. As inquietudes são distintas das intenções porque elas não residem no orador, mas em quem escuta. E como somos capazes de escutar e observar nossas próprias ações, também podemos lhes atribuir sentidos. E como somos capazes de escutar possibilidades de ações, também podemos atribuir sentido às ações que ainda não foram executadas. Quando fazemos isso, as pessoas comumente chamam de intenções, mas a ontologia da linguagem chama de inquietudes.
Quando escutamos, escutamos as inquietudes das pessoas, escutamos porque elas realizam as ações que realizam. Quando escutamos não somos receptores passivos do que se está dizendo, somos ativos produtores de histórias. Então, o escutar não é, como supomos, o lado passivo da comunicação, é completamente ativo! Voilá!!!Touché!!!
Meus queridos(as), espero que essa breve introdução sobre o poder da escuta os tenha instigado à investigar mais as consequências sobre suas vidas. Sigamos desenvolvendo novas distinções e sendo felizes!
Grande abraço!
Silvana Baccin é profissional com experiência em gestão empresarial, com habilidades em gestão de pessoas e resultados, comunicação e formação de equipes de alto desempenho. Também possui experiência em estratégias de mercado e segmentação de clientes, Gestão de Processos e Projetos. Atua na capacitação de adultos – graduação, pós-graduação e formação de gerentes, como coaching e consultora de empresas.